quarta-feira, 22 de maio de 2013

INFERNO ASTRAL (Pedro Salgueiro para o jornal O Povo)


 Não sei se o leitor concorda, ou se já passou também por isso, e – caso tenha passado – se chegou a ter consciência do fato: tem dias, semanas, meses, às vezes mais, que tudo dá errado com a gente: são doenças inesperadas, confusões no trabalho, simples topada ou escorregão; quaisquer que sejam, pequenas ou grandes, as “encrencas” que nos aconteçam. O certo é que nunca vêm sozinhas, desencadeiam uma sequência de ações desastrosas.

Percebi este fato bem cedo, criança ainda; e quando começavam as coisas a darem erradas, bastava umazinha depois da outra, e eu já prontamente tratava de me defender: saia pouco de casa, não falava com ninguém, fazia quase nada, rezava apenas...

Não tem uma periodicidade certa, uniforme, regular: vezes em janeiro, um só dia; outras, semanas de julho. O certo é que, para mim, desgraça sempre vem acompanhada, em sequência.


Talvez eu tenha começado a acreditar nisso por ser um sujeito pessimista por natureza, desses que acham que tudo vai dar errado, que vai chover no dia do aniversário, que não vai ninguém pro lançamento, que meu time vai sofrer um gol nos minutos finais da partida decisiva.

Também por eu ser um indivíduo por demais ingênuo, desses que acreditam até em horóscopo de jornal. Mesmo quando estudante universitário (nessa época quase todos nós somos teimosos, racionais ao extremo, sabemos tudo, somos orgulhosos ateus, socialistas, sindicalistas etc. e coisa e tal), bastava alguém me contar um caso místico e lá estava eu já rezando. Um ateu que reza, como muitos por aí.

Pois bem, comecei a ficar paranóico, bastava acontecer uma coisa ruim e lá estava eu esperando a próxima desgraça; e não precisa dizer que se esperamos uma ação ela quase sempre acaba por acontecer, ou a gente acha que aconteceu por neura mesmo.


Antes eu tentava reagir, contra-atracava, andava sempre armado; já hoje sou de paz (até quando eu não sei, meu Deus!), tento ser paciente com os infortúnios.

Talvez coisa da velhice chegando, de ir vendo os filhos crescerem, alguns amigos se indo de vez dessa nossa louca vida.

Mas uma gripe que dura duas semanas, seguida de e-mails desaforados de algum “alma-sebosa” desses que povoam nossa escrotinha loira desmilinguida pelo sol, um desentendimento besta com um amigo do peito, um sono mal dormido...

E como se não bastasse, num domingo morno a gente presenciar o time adversário ser campeão sem o nosso ter sido sequer para a decisão final. É dose pra elefante, urucubaca, pé-frio... Inferno astral, como dizem os místicos esnobes.


Então só nos resta esperar que tudo isso passe.

Ou rezar alguns Pai-Nossos, várias Ave-Marias, fazer figas, plantar pinhão-roxo, arrudas, espalhar sal-grosso pela casa...

E tempos melhores virão.

Será?



* Publicada no jornal O Povo.

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