quarta-feira, 7 de novembro de 2012

FINADOS (por Pedro Salgueiro)


O juremal cinzento, a terra esturricada, o sol amarelado de queimada eterna já prefiguram a seca cruenta nem bem entramos na estrada de Canindé. Mas a quantidade e a variedade dos automóveis nos segredam que ainda permanecemos com um pé na capital. E só quando saímos da terra de São Francisco em direção a Tamboril é que realmente nos sentimos dentro desse imenso país chamado Sertão.


A paisagem se torna mais e mais rala, um que outro juazeiro teima em alumiar a paisagem. Um pereiro, que floreia em outubro, enverdeia uma grota. Camirangas de beira de estrada esperam pacientes que mais bichinhos sejam atropelados. Uma vontade danada de descer do carro e sair choteando sobre as brasas, sentindo todas as coisas que pra mode ver o cristão tem que andar a pé.

***

Meu pai gostava de dizer que chegava a Tamboril não quando botava lá de verdade seus pés, mas desde que avistava de longe o Serrote do Feiticeiro; quando, então, ele já se sentia verdadeiramente em casa. Meu avô Chico Inácio certa vez divisou da Serra Grande, do lombo de um burro carregado de rapaduras, sua imensa sombra escura; e jurava que viu nessa longínqua noite uma estrela reluzindo bem na ponta de cima da formosa pedra.



A cidade mesmo se vê quando chegamos ao Alto do Bruto, por entre as fantasmagóricas casinhas de taipas, um pouco antes de o ônibus parar para que o ceguinho afilhado do dono da empresa suba para, impunemente, pedir sua esmola.

Só uma vez não senti alegria ao descer para aquele belíssimo vale, quando seguíamos madrugada afora o cortejo que trazia pela última vez meu pai.



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As muitas barraquinhas armadas. Coroas e flores de plástico. Velas e mais velas.

Na esquina, como perdido e para confirmar a tristeza do dia, um bar aberto. Jovens acompanham, em voz alta, a última moda musical.

De sua cadeira, Seu Aprígio apenas balança, inutilmente, a cabeça.

***

Somente (e religiosamente) três vezes por ano retorno à minha terra natal.

Para as novenas de Santo Anastácio em janeiro. Para a Semana Santa em abril. E para rezar e chorar pelos meus mortos em novembro.



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E a tristeza aperta quando percebo, ano após ano, que cada vez aumenta a quantidade de velas. Até quando finalmente vier o alívio de não mais ter que acendê-las.

Mas somente, zombeteiramente, apagá-las.

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