quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Eu também vou reclamar!*

Virou moda no Brasil protestar: se reclama contra tudo, contra todos – o dedo do povo está apontado pra frente, pro outro! O erro está no lado de lá da cerca, nos alheios comportamentos, nunca neles (em nós, pois), os protestantes... O povo que tudo pode e/ou tudo acha que sabe, vai às ruas exigir... Ninguém protesta consigo mesmo pelo que fez ou deixou de fazer pelo País, pelo próximo. Todos tiram o “seu” da reta na hora de reclamar... Eles votaram certos, foram honestos, trabalhadores e, principalmente, competentes.

Dia desses vai aparecer, esperem, um protesto contra tanto protesto, pois até nós, professores – historicamente tão submissos – não vamos querer mais dar aulas (a lição agora é de democracia, de história, nas ruas!); os alunos, então, não vão mais aceitar essa coisa “fora-de-moda” chamada educação formal. Os nossos políticos de “esquerdas” (ou canhotos) já anteviram tais “atrasos” com algumas décadas de antecedência, porque quase nunca foram de frequentar muito as “antiquadas” salas de aulas, terminavam suas faculdades nos protestos, nos piquetes, nas reuniões: exercer profissões junto ao povo (isso é coisa para médico cubano), nem pensar: candidatavam-se logo aos cargos dos CAs, DCEs, vereadores, deputados, senadores da vida... Tomaram “gosto” pela política e nunca mais largaram o osso: apareciam em sala de aula somente para dar avisos e fazer convocações.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Entrevista com o escritor José Eduardo Agualusa (por Ubiratan Brasil)

Agualusa: ficção deve discutir a realidade 17.07.2013


O escritor acredita que a realidade é mais poderosa que a ficção. Por e-mail, o angolano respondeu às questões

Já se tornou célebre a frase de Cortázar: "O romance vence sempre por pontos, enquanto o conto deve vencer por nocaute". Observando essa seleção, qual conto foi mais exigente no processo de escrita? Por quê?

Os contos representados nesta antologia são muito diversos entre si. Além disso, foram escritos ao longo de vinte e cinco anos. Como é natural, os contos mais recentes são, provavelmente, os mais apurados e complexos. A Educação Sentimental dos Pássaros, que dá título a um dos livros, e é narrado em parte por Jonas Savimbi, o dirigente guerrilheiro morto em combate contra as forças governamentais angolanas, em 2001, e em parte pelo próprio escritor, deu-me uma certa luta. Esse exercício de me colocar na pele de um sujeito tão complexo quanto Savimbi não foi fácil. Savimbi era um homem brutal, louco, um assassino sem escrúpulos, mas que também podia ser afável, cativante, exuberante, inteligente e extremamente corajoso. Ele começa a contar a história da sua vida no instante em que uma bala o atinge.

Para o escritor angolano José Eduardo Agualusa, "a condição minoritária leva a pessoa a se questionar, a pensar, a se afirmar, e isso pode ser bom para a literatura e as restantes expressões artísticas"


Ordenados em ordem cronológica de publicação em livro, os contos parecem que vão ficando, com o passar do tempo, mais enxutos e, portanto, mais afiados. Concorda com essa afirmação? Qual análise você faria dessa evolução na sua escrita?

Nunca tinha pensado nisso, mas parece-me natural. Uma boa parte do meu esforço, enquanto escritor, é o despojamento. Gonçalo M. Tavares, um escritor que eu admiro muito, diz que escreve de rajada, sem parar, numa espécie de transe, atropelando a gramática, e que só depois corrige. Eu vou corrigindo cada frase, até lhe tirar a gordura toda. Quando termino um conto, ou o capítulo de um romance, já não há muito a tirar. Creio que com o tempo vamos ganhando voz e, claro, aperfeiçoando estratégias. O desafio é apurar a técnica, mantendo a emoção, o que só se consegue se continuarmos apaixonados e deslumbrados pela escrita.

LIVRO PÓSTUMO DE BOLANÕ NO BRASIL (por Alfredo Monte)

Dez anos sem Bolaño e as agruras do seu leitor

 
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“Sobre a velhice, Amalfitano mal pensava.  Às vezes  se via com uma bengala, percorrendo uma alameda luminosa e gargalhando entre dentes. Outras vezes se via encurralado, sem Rosa, as janelas com as cortinas fechadas e a porta trancada com duas cadeiras. Nós chilenos, pensava, não sabemos envelhecer e em geral caímos no ridículo mais espantoso; não obstante, ridículos e tudo, em nossa velhice há algo de valentia, como se ao nos enrugar  e adoecer  recuperássemos a coragem da nossa infância temperada no país dos terremotos e maremotos. (Quanto ao mais, o que Amalfitano sabia dos chilenos eram  apenas suposições, fazia tempo que não os via.)”
(uma versão da resenha abaixo foi publicada originalmente em A TRIBUNA de Santos, em 16 de julho de 2013)

Em 15 de julho de 2003 morria Roberto Bolaño, aos 50 anos, aguardando o transplante de fígado que poderia salvá-lo da insuficiência hepática. Passada uma década, tornou-se figura mítica (uma espécie de reatualização da figura do “escritor maldito”) e referência da cultura contemporânea, um de seus pontos de fuga obrigatórios. Os detetives selvagens (1998) e 2666 (lançado postumamente, em 2004) já gozam do status de obras fundamentais—merecido, a meu ver. Atualmente, o chileno que viveu boa parte da sua curta vida no México e na Espanha exerce fascínio similar ao de Borges ou Garcia Márquez na época do boom hispano-americano.

BANVILLE no BRASIL (por Sérgio Rodrigues)

Banville e a máquina de produzir epifanias



Reconheço que o alerta pode afugentar leitores deste texto que mal começa, mas paciência: muitas vezes, ler demais sobre um escritor atrapalha a leitura do próprio escritor. Veja-se o caso do irlandês John Banville, que acaba de vir à Flip a bordo de seu último romance, “Luz antiga” (Biblioteca Azul, tradução de Sergio Flaksman, 336 páginas, R$ 39,90).

Quando se sabe que o próprio Banville se considera um raro – talvez até único, embora isso não fique claro – artista verdadeiro das letras num cenário internacional povoado de artesãos no máximo competentes e outros fornecedores de conteúdo para o mercado editorial, um representante implacável da literatura highbrow num mundo definitivamente middlebrow, é tentador transformar a leitura num teste e adotar, após meia dúzia de páginas, uma de duas posturas: ficar a favor de tal juízo presunçoso, encontrando a cada linha a confirmação de seu acerto, ou ficar contra o mesmo juízo e descobrir em cada linha seu desmentido categórico. Em outras palavras: ou Banville é um gênio ou é uma besta.

terça-feira, 18 de junho de 2013

OS MORTOS, de James Joyce (por Alfredo Monte)

OS MORTOS (The Dead), um texto-chave na obra de James Joyce

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Fico sempre assombrado com a idade em que certos textos foram escritos. É o caso de Os mortos (The dead), o último e mais famoso conto de Dublinenses. James Joyce tinha  25 ou 26 anos ao escrevê-lo, naquela primeira década do século XX (nascera em 1882) em que se dedicava à criação da versão inicial do seu romance de formação, que só seria publicado, depuradíssimo em 1916, como Um retrato do artista quando jovem (dois anos antes, ele conseguira publicar, tardiamente, os quinze contos de Dublinenses, entre eles Os mortos, que fecha a coletânea).

Se Stephen Herói resultava informe, desagregado, frouxo enquanto narrativa, os contos daquela época mostram que Joyce poderia ficar na história como um dos grandes do gênero, independentemente da sua reputação futura, mais calcada na ruptura e na ousadia formal. São textos praticamente perfeitos, com um sopro do teatro de Ibsen neles[1], mas perfeitamente alinhados a grandes mestres “atmosféricos” (Maupassant, Turguêniev, Tchekhov) do gênero.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

A TURMA DA LITERATURA (Pedro Salgueiro para O Povo)



— O SILÊNCIO DAS LETRAS

O escritor é serzinho esquisito, casmurro, cismado.

Diferentemente da “galera” da Música, do Teatro, das Artes Plásticas e de outras artes mais performáticas, a turma da Literatura é mais calma, comedida, quase invisível, eu diria. Claro que tem suas exceções, os “pindaibeiros” (capitaneados por André Dias e Manoel Carlos da Fonseca, dentre outros) aqui do Benfica adoram misturar suas letras pouco comportadas com o zunido do rock e outras nóias ma(i)s em movimentados lançamentos. As antigas Rodas de Poesias do Centro Dragão do Mar eram recitadas ao som de tambores e guturais gemidos. Outras experiências pouco convencionais pululam aqui e ali em nossa espevitada lourinha destrambelhada pelo sol.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

JOÂO UBALDO RIBEIRO (Entrevista ao jornal O Povo)

Operário de Itaparica



Todo ano, o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro se faz uma promessa que não consegue cumprir. Tem tentado se desvencilhar nos últimos tempos dos chamados para eventos literários que chegam a sua caixa de e-mails rigorosamente todos os dias. “Ou eu sou duro (...) ou esqueça: minha obra futura vai ser só de e-mail”, explica, com a certeza de que, dessa vez, está firme para recusar o que vier. Já abortou vários inícios de romances por conta desses compromissos.

Quer viajar menos, se dedicar mais à Academia Brasileira de Letras, da qual faz parte, na cadeira 34, desde 1993, e principalmente se debruçar mais sobre novos projetos; o último foi o romance O Albatroz Azul, de 2009. A única viagem que se permite fazer sem restrições é à Ilha de Itaparica, onde revê os amigos e se inteira das fofocas e novidades do lugar. É lá onde se sente bem, com o povo do mercado de Santa Luzia.

MEU AMIGO SÂNZIO DE AZEVEDO (por Pedro Salgueiro)


Conheci Sânzio de Azevedo através de seu livro Literatura Cearense, bem antes de começar a escrever qualquer coisa, ainda na fase de primeiras leituras de reconhecimento de nossas letras alencarinas. Adorava o livrão porque, além de uma breve biografia, trazia um texto de cada autor, e mesmo de escritores mais jovens havia alguma referência; depois li alguns artigos esparsos em outros volumes seus, em meados da década de 1980. Só muito depois fui saber que escrevia poemas e rabiscava contos realistas (sempre baseados em fatos de suas lembranças).

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O visível e o invisível no novo livro de Linhares Filho (por Vicente Jr.)




 
         O poeta José LINHARES FILHO é dessas pessoas “necessárias” com as quais todo ser humano, todo artista merece conviver. A retidão de seu caráter e o estro seguro de sua poesia tornaram-se lugar comum na cena literária brasileira, especificamente, na literatura do Ceará. Desde o livro “Sumos do tempo”(1968), como voz emblemática do Grupo SIN, ao livro “Notícias de bordo” (2006), indicando que há um porto onde é preciso chegar, e agora, no volume de que falamos, o que temos é um poeta cada vez mais seguro do seu oficio, um “lavrador da linguagem”, no dizer do ensaísta Carlos Augusto Viana, e um fiel avalista das múltiplas possibilidades do gênero lírico. Tem sido um imenso prazer acompanhar, com o olhar mesmo de discípulo, a trajetória iridescente desse vate da poesia cearense.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

INFERNO ASTRAL (Pedro Salgueiro para o jornal O Povo)


 Não sei se o leitor concorda, ou se já passou também por isso, e – caso tenha passado – se chegou a ter consciência do fato: tem dias, semanas, meses, às vezes mais, que tudo dá errado com a gente: são doenças inesperadas, confusões no trabalho, simples topada ou escorregão; quaisquer que sejam, pequenas ou grandes, as “encrencas” que nos aconteçam. O certo é que nunca vêm sozinhas, desencadeiam uma sequência de ações desastrosas.

Percebi este fato bem cedo, criança ainda; e quando começavam as coisas a darem erradas, bastava umazinha depois da outra, e eu já prontamente tratava de me defender: saia pouco de casa, não falava com ninguém, fazia quase nada, rezava apenas...
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